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Arthur Grieser

Amor & Amizade (2016), de Whit Stillman


É sempre prudente deixar um “disclaimer’” logo de cara quando se discute adaptações cinematográficas de outras obras (de outras mídias), especialmente as mais famosas e de autores reconhecidos: aqui, não caberá julgamento do livro que precedeu este “Amor & Amizade“. Não li “Lady Susan” e muito menos sou um profundo conhecedor de Jane Austen e seu vasto legado literário, embora seja sabedor de sua importância. Então recomendo a você, caro leitor, que veio ler o presente texto buscando algo neste sentido, que pare por aqui, ou então seja maduro o suficiente para interpretar aquilo que toda crítica de cinema na verdade é: uma análise e discussão crítica sobre o específico produto cinematográfico em questão – e, evidentemente, dos temas e reflexões que este propõe. Isto posto, vamos ao filme.

“Amor & Amizade”, como já dito, é uma adaptação do livro de Jane Austen intitulado “Lady Susan”, roteirizado e dirigido por Whit Stillman (“Descobrindo o Amor”, 2011), e acompanha a história da viúva Susan Vernon (Kate Beckinsale), que busca fugir das fofocas envolvendo seus casos amorosos e se refugia na casa de familiares, onde passará a buscar um novo marido e também um pretendente adequado para a sua filha, Frederica (Morfydd Clark).

Se passando na Inglaterra do século XVIII, no auge do império britânico no mundo, o longa é competente ao estabelecer com eficiência a atmosfera da época, apresentando, ainda que de modo pedestre e apressado (um pouco mais sobre isso adiante), uma aristocracia inglesa arrogante, que mais valoriza o seu sobrenome, de onde você vem e o que você tem, do que aquilo que você realmente é. Para isso, a obra conta com uma direção de arte magnífica, recriando cenários e vestimentas com maestria, além de uma fotografia que, realçando o cinza predominante do país onde a história se passa, reforça a ideia de falta de vida naquelas relações descartáveis que acompanhamos ao longo dos pouco mais de 90 minutos de projeção.

Neste sentido, Kate Beckinsale se mostra uma escolha perfeita para o papel de Susan Vernon. A atriz consegue entregar, com uma composição minimalista e precisa, uma protagonista multidimensional e absolutamente interessante. A cada frase cuidadosamente elaborada, uma mistura de charme, elegância e um toque de ironia, jamais entregando ao espectador as suas reais intenções por trás das palavras ditas. Assim, a forma como Susan parece sempre estar um passo à frente de todos os outros personagens é algo extremamente irritante se colocada ao lado sua aparente passividade e equilíbrio em todas as situações que vão se sucedendo, o que denota o mérito digno de reverências de Beckinsale. Um trabalho mais complexo do que se poderia supor à primeira vista.

No entanto, não acredito ser exagero colocar que a atuação da inglesa seja a melhor coisa do filme. As outras figuras presentes no enredo se mostram desinteressantes, ainda mais quando inseridas na trama de maneira tão rasa e ligeira: sua aparência é colocada em tela, acompanhada de seu nome e uma característica superficial que a define – ‘o bonitão irresistível’ e tolices do gênero. Algo que Whit Stillman, pelo visto, julga engraçadíssimo.

Aliás, ‘engraçado’ é uma característica que, definitivamente, não podemos atribuir a este “Amor & Amizade”, o que não deixa de ser surpreendentemente decepcionante, tendo em vista a sutileza e acidez do conhecido humor britânico. O lado dramático, por sua vez, reside quase que completamente nas reflexões superficiais de temas relevantes, como o empoderamento feminino, uma sociedade de valores corrompidos, relações familiares, etc. Nada muito diferente do que já vimos dezenas de outras vezes e de maneira muito mais aprofundada em outras obras.

Em resumo, um filme não engraçado, não dramático, que, com uma bela composição estética, reflete superficialmente sobre temas relevantes e, à exceção da protagonista, não possui personagens particularmente memoráveis e/ou carismáticos. E não mais do que isso.

Publicado pelo autor no Cinema com Rapadura.

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