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  • Pedro Martins Freire

Águas Rasas (2016), de Jaume Collet-Serra

Em junho do ano passado, "Tubarão", de Steven Spielberg, comemorou 40 anos. Ao longo desse tempo, sob a má fama de assassinos dos mares, os tubarões invadiram os cinemas sob os mais variados pretextos, entre eles a experiência genética. Mas, a luta entre os humanos e os esqualos, em geral, têm sido explorados na diferença do racionalismo contra o instinto. Neste quesito, "Águas Rasas", de Jaume-Collet Serra é exemplar.

Segundo pesquisas, cerca de 30 filmes sobre tubarões caçando humanos foram feitos ao longo de 41 anos. Até o cinema brasileiro investiu no tema com o seu "Bacalhau" (1975, de Adriano Stewart), mas foi o cinema italiano que conseguiu produzir os piores dos piores. Curiosamente, salvo pelo ótimo "Mar Aberto" (Open Water, EUA, 2004), de Alejandro Amenabar, que não é diretamente um filme sobre tubarões, e "Terror na Água" (2010, de David R. Ellis, uma modesta e curiosa produção “B” que investe no suspense), nada de mais eficiente foi produzido desse período – a menos que eu esteja enganado.

Pode-se, no entanto, destacar o inesperado sucesso e críticas positivas de "Sharknado" (2013), telefilme de Anthony C. Ferrante produzido pelo canal Syfy, que chegou aos cinemas e se tornou uma obra cultuada em todo o mundo, um fenômeno por simplesmente tratar os tubarões em tom de paródia – saborosíssima e irreverente, por sinal – que se desdobrou em três outras produções. "Sharknado" deu origem a uma série de outras produções assumidamente “trash” com os seus títulos estapafúrdios – "Tubarão da Areia" (2011), "Sharktopus Contra Pteracuda" (2013), "Mega Shark contra Mecha Shark" (2014), entre outros -, o que levou a uma revitalização do gênero.

"Águas Rasas" (The Shallows, EUA, 2016), em cartaz nos cinemas, pode ganhar destaque como uma produção independente, modesta com o seu orçamento de US$ 17 milhões e que obteve uma arrecadação doméstica de US$ 54,2 milhões, suficiente para cobrir o seu custo de produção e obter lucro com a arrecadação internacional, já estimado em quase US$ 20 milhões.

Os créditos de "Águas Rasas" passam, obrigatoriamente, pelo roteiro escrito por Anthony Jaswinski – que figurou na lista dos melhores roteiros e os melhores roteiros de terror não filmados – e a direção eficiente de Jaume Coillet-Serra. Jaswinski é o autor de "Backwoods" (2008, thriller de TV) e o curiosíssimo "O Mistério da Rua 7" (Vanishing on 7th Street, 2010), de Brad Anderson, e Kristy (2014), de Oliver Blackburn. O espanhol Serra tem feito bons trabalhos em Hollywood como "A Casa de Cera" (2005), "A Órfã" (2009), "Desconhecido" (2011), "Sem Escalas" (2014) e "Noite Sem Fim" (2015).

"Águas Rasas" é uma surpresa com a sua história modesta, extremamente concisa (tem apenas 84 minutos) e que manipula com eficiência o suspense estabelecido no drama da surfista Nancy (Blake Lively), isolada em um banco de areia e posteriormente numa boia náutica e ameaçada por um gigantesco tubarão branco, o qual demarca a área como sua. Reside nas estratégias de ambos, de pegar a presa e de fugir dela, o cerne do filme.

Outros aspectos se ressaltam, como a dimensão de espaço, estabelecido no “tão longe tão perto”, a distância entre Nancy e a praia, impossível de ser percorrida por ela, mas ideal para o tubarão; e a solidão da personagem, isolada, mas estimulada pela companhia de um pássaro que simboliza a esperança.

Outras qualidades estão na consistência dramática de um tipo de filme que tem apenas uma solitária personagem em cena. Curiosamente, esse tipo de cinema vem sendo explorado em enredos criativos sob os mais diversos gêneros. Como referência, podemos estabelecê-lo a partir de Tom Hanks perdido numa ilha deserta em "Náufrago" (Castaway, 2000), de Robert Zemeckis, passando por "127 Horas" (127 Hours, 2010), de Danny Boyle, com James Franco; "Contagem Regressiva" (Hours, 2013), de Eric Hesserer. com Paul Walker; e o maior de todos, "Gravidade" (Gravity, 2013), de Alfonso Cuaron, com Sandra Bullcok. Em "Águas Rasas", Blake Lively está solitária em cena em cerca de 85% do filme.

A narrativa tem outros quatro personagens secundários (um deles visto via celular), mas fundamentais para encaixar os elementos e informações que constroem o enredo e que aos poucos saem de cena para dar lugar a um ápice dramático (o ataque do tubarão aos surfistas), a partir do qual o suspense desenvolve-se em crescendo, expressando a ferocidade do esqualo, que também parece ser dotado de alguma inteligência mas na verdade é puro instinto, e as táticas racionais de Nancy para superá-lo. Neste aspecto, é insinuante a solidão da personagem e o suspense construído paralelamente à ameaçadora figura do tubarão branco – o célebre embate da natureza humana e sua racionalidade frente ao instinto animal.

Blake Lively, conhecida a partir da telessérie "Gossip Girl" (2007-2012) tem uma atuação elogiável no papel da inteligente Nancy, a qual é desenvolvida com dramas familiares (a perda da mãe), rasos, mas que dão sentido ao seu isolamento em uma praia deserta. Informe-se que Blake teve uma “dublê de corpo”, a australiana Sarah Friend, estudante universitária estadunidense de 22 anos; e é casada com o ator Ryan Reynolds, de "Deadpool" (2016).

"Águas Rasas" é outro filme a investir em uma mulher como principal personagem. A Nancy de Blake Lively é insinuante, inteligente, ousada. É com esses ingredientes e dispositivos que a personagem utiliza para vencer a natureza hostil – simbolizando a beleza e a determinação da mulher. Vale a pena conferir.

Publicado pelo autor no Cinema e Artes.

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