
Se em 1984, "Caça-Fantasmas" se propôs a ser um misto equilibrado entre terror e comédia, o reboot da obra parte da mesma combinação em busca de um objetivo mais ousado e específico. Porque se o filme homônimo de Ivan Reitman é uma obra-prima e símbolo de uma década, a refilmagem de Paul Feig é um filme com o propósito de difundir a representatividade feminina.
Com bases estruturais idênticas e protagonistas construídos em arquétipos similares, as obras contam a história de um grupo de cientistas que lutam para serem levados a sério mesmo estudando fenômenos paranormais. Com uma rápida escalada das aparições fantasmagóricas, o grupo se transforma em caçadores de fantasmas, como antecipa o nome. Em síntese, são obras sobre pessoas que lutam para serem reconhecidas como iguais por seus pares. Se antigamente eram cientistas nerds, hoje, os roteiristas Katie Dippold e Paul Feig focam nas garotas.
A troca do gênero das protagonistas é justo o que diferencia essa obra de tantos reboots descartáveis de Hollywood. É uma mudança da razão de ser, uma quebra do status quo proposta ao se trocar um grupo normativo de homens por uma minoria. Mais simbólico ainda é o espelhamento entre a necessidade dos grupos de protagonistas diferentes de querer fazer parte. Para que funcione, a obra necessitava de um elenco tão afiado como o da obra original. E Paul Feig recorreu às mesmas atrizes que fizeram de suas comédias "Missão Madrinha de Casamento" (2011) e "A Espiã que Sabia de Menos" (2015), duas das melhores obras do gênero nos últimos dez anos.
Para reinventar a dupla Bill Murray e Dan Aykroyd, dois mestres do humor nos anos 1980, vieram Kristen Wiig e Melissa McCarthy, que estão no ápice da comédia atual. No lugar de Harold Ramis e Ernie Hudson, temos Kate McKinnon e Leslie Jones, ambas hilárias. Na construção das personagens, apenas um porém. A única negra do grupo, Patty (Jones), é a única que não é cientista. Por mais que a ideia seja dar continuidade a Winston (Hudson), a noção de representatividade fica questionável: negros não podem ser cientistas?
O grande êxito de Feig é trazer diferentes camadas de humor. Vai da comédia física, escatológica, com gosma sendo jogada sobre personagens, a tiradas ácidas e críticas a uma parte dos fãs da obra original, que propuseram um boicote. O melhor momento é o surgimento de Martin Heiss. Segundo o filme, ele é “a única pessoa que, com uma frase apenas podia fazer com que as Caça-Fantasmas fossem levadas a sério”. Ironicamente, ele é interpretado por Murray, protagonista do filme original. Outra adição acertada do elenco é Kevin (Chris Hemsworth), muito à vontade sendo tratado como objeto de decoração – papel criticável e recorrentemente feminino.
Se socialmente "Caça-Fantasmas" é um avanço enorme, como misto de horror e comédia, a obra ainda fica bem aquém do filme de 1984. Com um horror mais baseado em sustos que em aclimatação, o longa-metragem acaba mais senso comum que a obra original. O ápice fantasmágorico criado por Ramis, com a presença do demoníaco Zuul e a química de Murray e Sigourney Weaver, é trocada por correria e efeitos especiais. Funciona, mas é uma queda brusca no ritmo dos dois primeiros atos.
O longa-metragem tem ainda uma sequência ao final da exibição. Nela, abre-se um gancho para uma continuação, bem como para a participação de Zuul, vilão da obra de 1984. Além da participação especial de Murray, Aykroyd, Hudson e Weaver adicionam um nova camada de humor à trama. O único ausente do elenco original é Ramis, que faleceu em 2014.
Publicado pelo autor no Jornal O Povo.