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  • Arthur Gadelha

Julieta (2016), de Pedro Almodóvar


O primeiro plano de "Julieta" faz questão de lembrar que, mais uma vez, estamos diante um Almodóvar essencialmente feminino. Além da indicação carnal de sua abertura, a cor vermelha denuncia o pulso da jornada desafiadora de suas mulheres. Distante de motivações "principais", encontra, nesse discurso incisivo, espaço para transformar seu entorno em algo imensamente mais importante.

"Julieta" é um filme que transita de maneira persistente entre a lógica e o surreal de Almodóvar – não se consolida em entrelinhas, mas se mostra dependente disso em certos momentos. A crise entre mãe e filha se torna impalpável em seu grau mais agudo, mas a história se monta de forma confiante. A relação entre Julieta e sua mãe, por exemplo, recheada de sentidos implícitos, torna-se mais envolvente, apesar de curta. Há uma necessidade de justificar a frieza da relação de Julieta e sua filha Antía por meio de um registro escancaradamente bruto – o motivador da crise se espelha às aventuras que Almodóvar costuma entrar com um pé na fantasia dramática.

Assim como "Tudo Sobre Minha Mãe", além da relação principal, há situações muito mais expressivas capazes de motivar a trama a encontrar camadas. O envolvimento de Julieta com a morte é admirável; o complexo sentimento de culpa desestabiliza sua compreensão da vida e de suas relações. Ela não se demonstra preocupada diante configurações que aparenta repudiar. A transição entre suas decisões e seu pudor instável é um motor para que a trama justifique sua personagem tão impulsiva quanto confusa. Isso acaba por construir diversas personalidades que atravessam o tempo junto à própria história. Julieta é uma no início da própria narração e é outra ao fim. Pode ser óbvio observar, mas há uma verossimilhança muito visível em seu “amadurecimento”.

A trama "principal" de Julieta e Antía se torna estranha quando sua segunda personagem é levada a ser aprofundada por meio de revelações em blocos dramáticos. O resultado dessas imprecisões é um breve mal-estar diante duas construções distintas que são obrigadas a se apoiarem uma à outra. Fica cada vez mais perceptível um envolvimento instável diante seu conflito montado aos moldes – ao menos não espelha qualquer formato hollywoodiano. Estamos falando de Pedro Almodóvar e suas justificativas para os próprios dramas – um molde imensamente mais respeitável.

"Julieta" tem uma essência inconsistente, mas consegue desviar atenções para seu possível subtexto. Conclui-se à margem das desordens de suas personagens e apropria-se de um realismo admirável quanto às relações que apresenta com tamanha convicção. Diante os conflitos acumulados, há um respiro final suficiente.

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