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  • Beatriz Saldanha

Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981), de Hector Babenco


No Monumento às bandeiras, na Avenida Paulista, no Viaduto do chá; por toda parte, meninos em situação de rua são vítimas da aterradora desigualdade social que assola São Paulo e o restante do País há muito tempo. Essas crianças integram a paisagem urbana e foram representadas com frequência no cinema nacional, sendo "Pixote: A Lei do Mais Fraco" um dos exemplos mais conhecidos.

Realizado pelo argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco, é um filme tão cultuado quanto maldito devido ao trágico fim do jovem Fernando Ramos da Silva, o menino oriundo de uma favela paulistana que ficaria célebre pelo personagem de Pixote e que morreria pelas mãos de policiais em 1987. Inspirado no livro "Infância dos Mortos", de José Louzeiro, "Pixote" conta a história de uma criança que, numa batida policial, é levada ao reformatório, onde testemunha a violação de um colega por diversos rapazes e vê, aos poucos, seus amigos serem assassinados pela polícia. Pixote e outros internos escapam do reformatório e começam a praticar roubos e tráfico de drogas, culminando em assassinatos.

Como fizera em "Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia" (1977) e faria novamente em "Carandiru" (2003), Babenco retrata com empatia personagens que estão comumente à margem da sociedade: crianças e adultos infratores, prostitutas, homossexuais e transexuais, sem ignorar a violência física e simbólica às quais são submetidos. Um reformatório para jovens em pouco ou em nada se diferencia de uma prisão para adultos: é como voltar à Idade Média, onde ainda não estava estabelecida a noção de infância e às crianças não era dado um tratamento diferenciado; ou seja, independente da faixa etária e nível de desenvolvimento humano, a truculência institucional para com os indivíduos infratores é a mesma.

Contudo, talvez por ser o mais jovem da gangue, Pixote é mostrado com destacada ternura. Babenco opta por filmar, na maioria das vezes, o seu rosto em planos fechados, às vezes em planos-detalhe, ressaltando seu sorriso e seu nariz pequeno e sardento, sem jamais erotizar o corpo do menino. A clássica cena em que o pequeno é acalentado e põe a boca no seio de Sueli, uma prostituta interpretada por Marília Pêra, é o seu único momento de conforto e proteção. Livre de qualquer contexto sexual, naquele instante a mulher e o garoto são mãe e filho.

"Pixote" é um filme sobre a violência do Estado contra os indivíduos, que atinge em cheio a camada mais frágil da sociedade, as crianças; bem como sobre a falência do sistema carcerário. O subtítulo “a lei do mais fraco” parece-me estar relacionado a uma estranha democratização da violência pelas armas de fogo: o menino baixinho de nariz sardento é o único sobrevivente da gangue.

O título do livro de Louzeiro remete a um fato assombroso que vemos de maneira chocante no filme de Babenco: a infância nunca esteve tão próxima da morte. A criança que está nas ruas, além de outros abusos sofridos, vira um alvo fácil para criminosos mais velhos, que incentivam e facilitam a entrada destes meninos nas práticas criminosas através da desculpa de que menores de idade são intocáveis e protegidos pela lei, falácia que faz com que, no fim das contas, terminem mortos de um lado ou de outro. O extermínio da juventude pobre é uma realidade até hoje, 35 anos mais tarde.

No pôster do filme, há a imagem de Pixote correndo totalmente nu, perseguido por um carro com faróis ligados. A foto foi retirada da cena em que o menino alucina em meio a um delírio causado por cola de sapateiro e, assim como a icônica foto da criança vítima de um ataque com napalm na Guerra do Vietnã, nos provoca desconforto e faz com que desviemos os olhos para não a enfrentar. Um esforço em vão, pois Pixote, assim como a fotografia, está gravado em nossas retinas. Para que nunca seja esquecido.

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