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  • George Pedrosa

Olhar do Ceará 2016 | Novas perspectivas para o cinema independente


"Os Olhos de Arthur", de Allan Deberton

Após a exibição de 39 curtas, a Mostra Olhar do Ceará serviu como uma janela para as produções locais que muitas vezes passam despercebidas até pelos cinéfilos mais engajados. A visão panorâmica sobre o cinema local - marcado por diversidade de pontos de vista e ambições narrativas - é uma importante marca dessa iniciativa do Cine Ceará, que traz debates com os realizadores após cada exibição num momento de intercâmbio criativo entre público e realizadores independentes.

Se há algo que senti falta nos curtas exibidas, foi um foco maior nos roteiros. Os filmes chamam atenção pelo caráter experimental - poucos apresentavam diálogos ou um argumento mais convencional, predominando narrativas sensoriais e surrealistas. É admirável que os jovens cineastas cearenses mostrem tanta ambição de levar a linguagem cinematográfica para terrenos inéditos, mas é de se imaginar se também não há um potencial inexplorado no campo das tramas centradas em roteiros. O Ceará tem uma rica tradição de prosa narrativa, de grandes contadores de histórias, que certamente poderia ser canalizada no espaço do cinema independente.

Em mais um trabalho sensível e marcante do cineasta Allan Deberton, "Os Olhos de Arthur" impressiona pela direção segura, apuro técnico impecável e pela atuação de André Campos no papel de um jovem nadador autista. É um curta que justifica seu título ao fazer o espectador enxergar o mundo quase inteiramente através dos olhos do protagonista, com um uso de câmera aquática que realça as cores e sons vibrantes do universo particular de Arthur, bem como sua aparente desconexão dos conflitos pessoais ao seu redor. Uma homenagem aberta aos filmes de José Mojica Marins, o curta "Tirarei as Medidas do seu Caixão", de Diego Camelo, funciona como uma breve reflexão sobre a relação entre fãs de horror e seus criadores - uma relação por vezes pouco saudável, onde a fascinação por violência e depravação acaba sendo reveladora de personalidades pouco sociáveis. Obcecado pelos filmes de terror de Zé do Caixão desde criança, o protagonista resolve vestir a capa e chapéu característicos do personagem e vagar pelas noites de Fortaleza imitando seu ídolo - com consequências inesperadas. Bem-humorado ao retratar o ridículo inerente a seu personagem, o curta utiliza com eficácia suas referências inspiradoras, desde a fotografia em preto e branco até a fonte dos créditos, passando por um final com reviravolta irônica que poderia ter saído diretamente de uma das clássicas histórias em quadrinhos de terror da EC Comics. Embora o conflito entre a frieza do trabalho burocrático e o calor humano da arte seja um tema já bastante explorado, "Cortina a Par", de Anio Tales Carin, evita os julgamentos comuns sobre aqueles que, por um motivo ou outro, optam por empregos convencionais. Seu protagonista - um vigia noturno de teatro com aspirações de virar ator, que usa as horas ociosas e o palco abandonado para ensaiar - encontra-se dividido entre o pragmatismo de um emprego que paga suas contas e ajuda seus familiares e o desejo de se expressar criativamente. O filme retrata esse conflito de forma quase literal, colocando o personagem para discutir consigo mesmo, com a ajuda de efeitos especiais e um mise-èn-scene engenhoso. Sincero e bem-dirigido, o curta retrata a confusão interna do jovem ator interpretado por Breno Magenta como uma epifania artística que, mesmo sem público, não deixa de ser catártica e libertadora.

George Pedrosa integrou o júri Aceccine da Mostra Olhar do Ceará no 26º Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema, em junho de 2016.

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