Claudio Assis se firmou como grande autor de nosso cinema com apenas três longas-metragens, que se caracterizavam pela agressividade forte e também pela forte carga sexual. Mas em "Febre do Rato" (2011) já se percebia uma transição em sua obra que desembocaria no novo "Big Jato" (2015). Ou seja, ambos os filmes fazem homenagem à poesia, cada um à sua maneira. Se "Big Jato" não tem a mesma força e inspiração dos demais talvez isso se deva em parte por não contar com um roteiro original. Seu roteirista, o também diretor Hilton Lacerda (de "Tatuagem", 2013), adaptou o livro de Xico Sá, e por isso muito daquilo que vemos no filme é do escritor. Não deixa de ser um sinal de generosidade por parte de Assis, embora a sua marca na direção esteja presente tanto na apresentação de tipos marginalizados, quanto no uso de enquadramentos que lembram "Baixio das Bestas" (2006), como a cena que mostra a visão de cima de um prostíbulo, ou o travelling se afastando da casa dos protagonistas em uma das sequências finais. Na quarta parceria de Matheus Nachtergaele com Assis, o ator interpreta dois personagens irmãos, um sujeito que é pai de família e que trabalha com um caminhão pipa usado para limpar fossas em lugares que não contam com saneamento básico e também um apresentador de um programa de rádio metido a hippie. No meio dos dois, há o garoto Chico, personagem autobiográfico vivido pelo garoto Rafael Nicácio. O garoto tem talento para poesia, tem um interesse especial pelas coisas pouco práticas da vida, embora tenha respeito pelo pai, com quem viaja durante o dia, ajudando-o com seu trabalho. Mas o tio o aconselha a fugir daquela cidade, que é um lugar famoso pelos fósseis. O tio tem uma teoria de que as pessoas que não saem dali o quanto antes correm o risco de ficarem fossilizadas. E como a maioria das pessoas sai do sertão para a cidade grande com frequência desde muito tempo, a cidade representada no filme poderia ser qualquer cidadezinha do interior do Nordeste. O filme causa estranheza pelo carinho com que mostra a trajetória de descoberta do menino. A primeira transa em um puteiro, uma paixão platônica que o deixa aflito e desperta ainda mais seus instintos de poeta, o bullying na escola, sua amizade com um poeta de rua vivido por Jards Macalé, a relação conflituosa entre o irmão mais velho e as relações com o pai e o tio, tudo isso é visto de maneira leve e terna pelas lentes de Assis. Há também algo bastante divertido ao longo do filme, que é a teoria do tio de que os Beatles teriam sido influenciados por uma banda brasileira desconhecida chamada Os Betos, que infelizmente a indústria fonográfica britânica, poderosa que é, tratou de silenciá-los. Também engraçados os termos em falso inglês para enganar a população local, mas que acaba ganhando uma conotação bem bonita à medida que o filme se aproxima de seu final. "Lerilái" vira uma espécie de ode à liberdade.
Publicado pelo autor no Diário de um Cinéfilo.