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  • Arthur Grieser

Em Nome da Lei (2016), de Sergio Rezende


“Em Nome da Lei” tem como protagonista um juiz relativamente jovem e destemido, que busca incessantemente colocar criminosos de alta patente atrás das grades, mesmo que isso signifique ir contra o status quo do ambiente onde a história se passa. Isso gera revolta entre as pessoas locais, inclusive autoridades, resultando em um processo longo, cheio de armadilhas e que se prova muito mais complexo do que poderia parecer a princípio. Afinal, o que há de tão errado em colocar um sujeito sabidamente bandido e chefe de uma quadrilha na cadeia? Tecnicalidades?

Assim, temos escutas duvidosas, condução coercitiva, cusparada dos revoltados e muito mais. Soa familiar? Honestamente, não sei o posicionamento do cineasta Sérgio Rezende acerca do que vem ocorrendo no Brasil nos últimos meses, mas se torna impossível não relacionar seu filme com os recentes acontecimentos. No entanto, o que dizem é que quando uma obra de arte está pronta, ela não pertence mais ao seu criador, e sim ao público, que lhe sente e interpreta, não é mesmo? Então que assim seja.

Como o objetivo do texto, entretanto, não é fazer panfletagem sobre política, vamos ao filme. O jovem juiz federal Vítor (Mateus Solano) é transferido para uma pequena cidade na fronteira do Brasil com o Paraguai, onde a “lei do crime” impera. Sua principal meta é, portanto, desmontar a quadrilha de traficantes liderada por Gomez (Chico Diaz), o chefão local. Para tanto, ele terá o auxílio da promotora Alice (Paolla Oliveira) e do policial federal Elton (Eduardo Galvão).

Bebendo da vasta cultura cinematográfica sobre o tema gângster/máfia, e com uma “latinidade” que dá à narrativa todo um charme especial, Sérgio Rezende estabelece desde o início os aspectos mais vis do antagonista e, dessa maneira, os motivos pelos quais devemos temê-lo. Não me parece coincidência, neste sentido, que a demonstração de tais características se dê justamente no casamento de sua filha, em uma clara alusão (referência, homenagem?) ao mais clássico dos filmes de máfia, “O Poderoso Chefão”.

Pegando a obra-prima conduzida por Coppola como base (especialmente a sequência inicial citada), não é de surpreender que Rezende escolha o mesmo cenário para, além de introduzir o vilão da trama, também estabelecer as características marcantes dos próprios protagonistas, Alice, Elton e Vítor. Enquanto este entra disfarçado na festa, buscando alguma pista que possa levá-lo para uma resolução das questões que se propôs a investigar, ilustrando sua impetuosidade e, muitas vezes, falta de paciência para conduzir mais inteligentemente a operação, Elton e Alice esperam do lado de fora da casa, dentro de um carro e escondidos, o que demonstra a cautela da dupla quanto ao enfrentamento cara a cara com a quadrilha que estão tentando derrubar.

Por mais que o desenrolar do enredo seja instigante e prenda a atenção de quem está do lado de cá da tela, no entanto, o excesso de subtramas incha o que poderia ser uma história mais coesa – isso sem sequer entrar no mérito do romance protagonizado pelo casal interpretado por Mateus Solano e Paolla Oliveira, que é até costurado de maneira razoável, mas completamente descartável. Personagens basicamente sem importância alguma para o plot central aparecem em tela acrescentando pouco conteúdo narrativo, o que só evidencia suas respectivas funções em termos de roteiro: servir como escada para um acontecimento maior. Ou isso, ou o texto de Sergio Rezende, juntamente com Rafael Dragaud e Rodrigo Lages, seria simplesmente mal elaborado. O que não é de todo falso…

Para que tenham suas presenças justificadas, portanto, o script introduz o uso de flashbacks tentando explicar o background de alguns desses personagens e suas relações entre si, um recurso nada menos do que pobre e preguiçoso, caso não seja aproveitado de maneira orgânica. E o pior, os flashbacks aparecem já na metade final da projeção, como se os realizadores gritassem na cara do espectador: “Estão vendo?! Eu não consigo resolver as questões que coloquei para vocês, sem que tenha que voltar um pouco na história”.

Essa complicação para estabelecer personagens secundários de maneira mais coerente, inclusive, acaba por prejudicar a própria resolução dos conflitos no terceiro ato. Quando o “segredo” é revelado e as cortinas se abrem, o impacto não é lá grande o suficiente para que sintamos aquilo que Sérgio Rezende claramente intuía para o momento. Isso porque alguns dos pilares de sustentação da proposta não foram aproveitados da maneira correta, provocando quase que um sentimento de indiferença ao acompanharmos o clímax do longa.

O que torna “Em Nome da Lei” um filme um pouco acima da média são mesmo as conexões que podemos estabelecer com o cenário brasileiro atual. Afinal, uma obra de arte não é concebida num vácuo; ela possui todo um contexto que lhe atribui uma série de outras camadas à qual cabe a cada espectador inferir aquilo que lhe parecer mais adequado. Por mais irregular que seja o roteiro, gosto de pensar que uma trama instigante como essa, protagonizada por bons atores, tenha a capacidade de despertar nas pessoas alguma reflexão sobre os absurdos que estamos vivendo nos dias de hoje.

Publicado pelo autor no Cinema com Rapadura.

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