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  • Arthur Grieser

Mundo Cão (2016), de Marcos Jorge


Roteiro é a alma do negócio. Afinal, o que pode dar errado em um filme que reúne bons atores, boas ideias e uma equipe liderada por um diretor promissor? Certa vez me propuseram uma reflexão que faz todo o sentido: um roteiro bom nas mãos de um diretor ruim pode dar certo, mas jamais o melhor dos diretores pode fazer de um roteiro ruim ou medíocre um produto cinematográfico muito acima do que ele tem em mãos como matéria-prima. Nada mais verdadeiro.

“Mundo Cão” acompanha a história de Santana (Babu Santana), um funcionário que trabalha no Departamento de Combate às Zoonoses, recolhendo cães sem dono nas ruas da capital paulista. Em um dia de trabalho aparentemente comum, ele coleta um enorme rottweiler que havia invadido uma escola, e, depois de três dias abrigado sem que o dono aparecesse, o cachorro é sacrificado. O que seria um procedimento padrão acaba virando a vida de Santana de cabeça para baixo, quando o policial corrupto e psicopata, Paulinho (Lázaro Ramos), se apresenta minutos depois da morte de seu animal de estimação exigindo explicações e ameaçando todos do local.

A partir de então, uma sequência de eventos absurdos começa a ser desencadeada, transformando o tom do longa à todo momento, flertando com uma série de temáticas interessantes, mas que acabam não tendo todo o seu potencial explorado como deveria. Em parte, por um script, de responsabilidade do diretor Marcos Jorge (“Estômago”, 2007) e de Lusa Silvestre, um tanto quando esquemático, que parece sempre mais disposto a impactar o espectador, o ‘chocar por chocar’, do que preparar o terreno com maior esmero para que tal intenção se transformasse em êxito.

Entretanto, digo ‘em parte’ porque, às vezes, a surpresa realmente acontece, especialmente nos primeiros ‘’pontos de virada” do roteiro, quando de fato não estamos esperando uma mudança abrupta daquela maneira. Os eventos dramáticos que inicialmente reviram a trama e a vida daqueles personagens efetivamente contribuem para um enredo instigante, provocando tensão e curiosidade no espectador. Adriana Esteves, em especial, interpretando a esposa de Santana, está arrebatadora quando o quesito é ‘instigar sentimentos’ no público.

À medida que a história vai se desenrolando, no entanto, estas sucessivas tentativas de mudar a direção da trama para um lado e para o outro acabam tornando a narrativa maçante e cansativa, dado que as atenções de quem está do lado de cá da tela ficam focadas apenas em saber qual será o próximo evento chocante e dramático que açoitará a vida daqueles pobres personagens. Isso quando as reviravoltas, principalmente no terço final da película, não se tornam previsíveis, tamanho abuso do recurso de pista/recompensa por parte dos roteiristas.

Neste sentido, os caminhos escolhidos por Marcos Jorge e Lusa Silvestre para amarrar a trama que tanto sacudiram não se sustentam de maneira coerente com o que foi apresentado até então, uma vez que as atitudes dos personagens não foram tão bem trabalhadas para “comprarmos” suas motivações e modos de agir. Paulinho, assim, torna-se o único personagem razoavelmente bem desenvolvido, o que é construído desde a cena que abre a projeção, apresentando-se como um sociopata cujo menor contratempo sofrido pode resultar na mais vil e cruel das retaliações. Embora acredite que muito disso se deva mais ao grande talento de Lázaro Ramos como ator, do que a um texto especialmente inspirado, impossível negar a intenção dos realizadores em caracterizar um bom “vilão” como um dos pilares que sustentam o longa.

Dessa forma, a expressão “mundo cão” que dá título ao filme faz verdadeiramente todo o sentido, tanto para o bem, quanto para o mal. Dramático, recheado de boas intenções e contando com um casal de ótimos atores (Ramos e Esteves, que, infelizmente, não contracenam juntos), o fato é que faltou um pouco mais de capricho na concepção do roteiro, para que uma boa ideia se tornasse mais do que apenas isso.

Publicado pelo autor no Cinema com Rapadura.

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