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  • Por Diego Benevides

Spotlight - Segredos Revelados (2015), de Tom McCarthy


Em 2001, um grupo de jornalistas investigativos do Boston Globe recebeu uma pauta: apurar uma denúncia de abuso sexual infantil de padres em Boston. A Igreja Católica “resolvia” esse desvio de conduta transferindo os sacerdotes para outras cidades, abafando supostos problemas dentro da comunidade e driblando qualquer punição. A reportagem realizada pela equipe venceu o Prêmio Pulitzer e é o tema de Spotlight – Segredos Revelados, de Tom McCarthy, um dos favoritos da temporada de prêmios do cinema.

Na trama, os jornalistas pretendem desmontar o “sistema” encabeçado pelo poder religioso, visto como um bem maior e quase inquestionável, que tem a colaboração do judiciário enquanto a imprensa faz vista grossa. É curioso como a pauta só passa existir após a motivação que parte de três estrangeiros, como se fosse desconfortável para quem é de Boston tocar no assunto, inclusive outros jornalistas com tradição católica. Afinal, “o povo precisa da religião” porque ela faz bem. As fontes começam a aparecer, arquivos são avaliados e informações se transformam em algo que repercutirá no mundo inteiro.

Também responsável pelo roteiro ao lado de Josh Singer, McCarthy referencia os filmes setentistas com temática investigativa, sendo praticamente impossível não relacionar ao clássico Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula. Assim, McCarthy reconhece o lugar da obra dentro de seu próprio tempo narrativo, sem ignorar sua relevância para os dias atuais. O diretor evita grandes estripulias visuais para sustentar um clímax mais sóbrio, que casa com o cenário cinzento de Boston. A trilha sonora de Howard Shore (O Senhor dos Anéis) tenta respeitar os espaços da trama, mas escorrega ao sublinhar demais determinar sequências, atrapalhando a imersão natural nos fatos.

Um dos grandes atrativos do longa é o elenco robusto que McCarthy recrutou, melhor do que David O. Russell (Trapaça) já conseguiu fazer até hoje. Mark Ruffalo é o principal destaque ao interpretar o repórter Mike Rezendes. Com trejeitos e sotaque acentuado, é o mais determinado e apaixonado pela profissão, capaz de dar o próprio sangue para contar uma boa história.

Michael Keaton colhe os frutos de seu retorno a Hollywood depois de Birdman e agora arrebenta como o editor da reportagem. O papel feminino ficou com Rachel McAdams, que personifica as dificuldades da profissão em busca do depoimento perfeito, independente de quantas portas na cara ela leve dos entrevistados. O filme ainda traz Liev Schreiber, John Slattery, Stanley Tucci e Billy Crudup, em sintonia que confere total credibilidade ao filme.

Ao optar por uma narrativa mais realista, onde nada é romantizado a favor de um recorte mais político, o diretor mostra o envolvimento dos repórteres com a descoberta do escândalo. Ainda pontua a carga psicológica do assunto com os depoimentos das vítimas, esquematizando mais ou menos o modus operandi dos molestadores. Se há um padrão dos acusados, também há das vítimas. Crianças com traumas familiares ou psicológico abalado são sempre presas fáceis. É um abuso que vai além do físico. Atinge o espírito, forja a castidade e os princípios morais.

O longa se comunica com outra obra um pouco mais provocante. O Clube (2015), do chileno Pablo Larraín, acompanha alguns padres que também foram isolados por desvios de conduta. Larraín não mede esforços ao punir esses seres desajustados, que poderiam ser de qualquer religião ou de qualquer lugar do mundo. A mensagem é igual: é preciso condenar os podres para não deixar a violência silenciosa passar ilesa. A principal diferença é que Spotlight – Segredos Revelados segue certa cartilha hollywoodiana de resoluções, que o limita em termos de ousadia e transgressões, ainda que, assim como O Clube, escancare a corrupção religiosa com coragem.

Ao contrário da correria diária das grandes redações, os personagens de Spotlight – Segredos Revelados estão focados em apenas uma pauta, a ser publicada a longo prazo e que renda uma boa matéria de capa. McCarthy é discreto ao questionar o jornalismo dos dias de hoje, que precisa produzir em série, às vezes deixando passar boas notícias devido à pressa do fechamento, à cobrança dos chefes e, em alguns casos, aos interesses comerciais ou ideológicos dos veículos de comunicação.

O cineasta também confronta a mídia tradicional com o avanço da internet que, na época, ainda não era tão refém das redes sociais e de seus compartilhamentos insanos de qualquer tipo de informação nem sempre verificada. Reside aqui a atualidade do filme: pensar em um jornalismo que tenta se adaptar para não deixar de existir, independente de conflitos tecnológicos, comerciais ou funcionais.

Publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

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