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  • Ailton Monteiro

Mate-me Por Favor (2015), de Anita Rocha da Silveira


Sempre muito agradável quando vemos que o cinema de gênero, especialmente do gênero horror, está começando a se estabelecer com mais força em nossa cinematografia. Se o Brasil é tão rico em folclore e superstições e também bebeu por tantos anos da fórmula de filmes de horror americanos, britânicos, italianos ou japoneses, não há por que não acreditar que ótimos exemplares surjam em nosso país também. Mate-me Por Favor (2015), de Anita Rocha da Silveira, é muito feliz em tratar o tema de um assassino serial aterrorizando a vida de jovens, especialmente meninas, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, lidando também com questões bem próximas da idade de suas personagens, como o desejo sexual latente, o beijo na boca, o bullying na escola, a rivalidade entre as meninas etc. Junte-se a isso à obsessão por coisas mórbidas ou nojentas, como o modo como as vítimas do assassino se encontram depois que seu corpo é encontrado e nessa fórmula até poemas de Augusto dos Anjos entram na brincadeira. É como se Anita Rocha da Silveira fosse o mais próximo que temos atualmente de David Cronenberg, ao lidar o tempo todo com feridas, hematomas, chupões, embora essa afirmação seja ainda um tanto cedo para se fazer. Curiosamente, o elenco de adultos é inexistente. Bia, a personagem principal, mora com o irmão e a mãe que nunca aparece (viajou para algum lugar, aparentemente). Não vemos os pais, professores e até mesmo quando é comunicado o assassinato de um garoto, isso é ouvido pela caixa de som da escola. Mesmo a igreja evangélica, que é usada como tiração de sarro no enredo (com direito a trilha musical), tem como principal pregadora uma das jovens do elenco. O namorado de Bia é um jovem frequentador da igreja que tem receio de estar fazendo algo errado, ao transar com a namorada antes do casamento. Enquanto isso, o desejo é mostrado como algo bastante próximo da violência. Os beijos são violentos e tórridos, com direito a uma cena de pegação entre duas meninas dentro de um banheiro e outra dentro da sala de aula, onde vemos dois jovens se beijando como se estivessem sozinhos, entre quatro paredes. E como os adultos parecem inexistir, é como se tudo fosse permitido, ainda que tudo seja também muito perigoso, com essa onda de assassinatos à solta. Mas viver é divertido e a morte é fascinante, como Bia descobre ao encontrar, em seus últimos suspiros, uma jovem deixada para morrer pelo assassino. Há muito funk carioca, como Claudinho & Buchecha, além de clássicos internacionais dos anos 80/90 e o misto de brincadeira com seriedade pode confundir e fazer com que muitos vejam o filme como um projeto equivocado. Mas como não ficar impressionado com a sequência final, que problematiza e torna a questão dos assassinatos uma indagação reflexiva? Isso faz com que o que poderia ser um mero whodunit ganhe ares de autocrítica. E se as coisas ainda não ficam muito claras, pouco importa. O mistério não é algo tão ou mais fascinante quanto o descobrimento?

Publicado pelo autor no Diário de um Cinéfilo.

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