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  • Por Marcelo Ikeda

Cemitério de Esplendor (2015), de Apichatpong Weerasethakul


Na falta de termo melhor para expressar o meu encanto-espanto, começo dizendo que Cemitério de Esplendor é um filme muito lindo. Confesso a vocês que é o filme que mais me toca desse artista tailandês tão difícil de dizer o nome (Apichatpong Weerasethakul) que ele mesmo disse que pode ser chamado pelos orientais simplesmente de "Joe". É um filme para ser visto no cinema. Acho importante (fundamental) esse gesto de sairmos de nossas casas e irmos até um templo hermeticamente fechado, totalmente escuro banhado por um feixe de luz, para embarcar em um estado de suspensão (o tal "estado-cinema").

Cemitério de Esplendor pode ser visto como um filme sobre o estado-cinema. Se o cinema é um sonho, se as nossas próprias vidas são um sonho, não sabemos ao certo, não podemos dizer. O que podemos dizer é que ela existe. O cinema de "Joe" tornou-se muito conhecido pelas oscilações (pelas dobras, pelas fissuras) entre um certo realismo mágico e uma presença do real. Uma narrativa lânguida, um toque de humor, um sentimento de leveza. Essa leveza que, mais do que aspecto formal, é um modo de ser, uma maneira de olhar e de estar no mundo - essa me parece a grande força do cinema de Joe, o seu humanismo.

Mais do que essas dobras entre o sonho e o real, o que me interessa em Cemitério de Esplendor é como o diretor consegue expressar uma forma leve de estar no mundo, esse modo de ser. Num mundo em que a guerra, a violência, a especulação imobiliária nos empurra para um cenário de competitividade e de aceleração do tempo, parece que o filme embarca na possibilidade de estarmos juntos ainda assim. Enquanto as obras continuam lá fora, há o jardim, a natureza, os corpos, a vida.

Cemitério de Esplendor me lembra Esse Amor que nos Consome, nessa esperança de podermos habitar o mundo de outra forma, e de uma forma positiva (zen) de construirmos nosso cenário de resistência. Um hospital, um jardim, um galpão, uma casa. Ou ainda, Mauro em Caiena, especialmente quando vemos, quase no final, os meninos brincando no campo de futebol dividindo o terreno com os tratores que cavam o solo seco. Enquanto as máquinas não acabam o serviço, é possível (ainda) pisar o chão com pés descalços. O tom cool (o hospital, a sensualidade) de Eternamente Sua, os soldados e a natureza de Mal dos Trópicos, o humor discreto de Síndromes e um Século estão ali, de outra forma, da mesma forma - um filme que constrói uma filmografia, reiterar sem se repetir.

Para ver um filme de Joe, é preciso manter os olhos bem abertos e ao mesmo é preciso fechá-los. Na falta de termo melhor, digo que Cemitério de Esplendor é um filme lindo, e que fez meus dias nublados se tornarem mais belos.

p.s.: O filme tem um trabalho extraordinário de luz (a luz que entra pelas janelas do hospital) e de som (o uso minimalista do som como uma paisagem sonora, as ambiências sutis entre os silêncios, o som da natureza e o mecânico das obras e carros). Por tudo isso, esse filme precisa ser visto/sonhado numa sala de cinema.

Publicado pelo autor no Cinecasulofilia.

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