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Rodrigo Passolargo

16º FOR RAINBOW: ACLAMAÇÕES E LINGUAGENS DE UMA CURADORIA APURADA

Rodrigo Passolargo compôs o Júri da Crítica do 16º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero com Eric Magda e Larissa Bello


Cena de de Rosa Neon, Tiago Teresa

Em sua 16ª edição, o For Rainbow reafirma a importância do festival para todas as pautas da cultura da diversidade sexual e de gênero a um nível cada vez mais internacional e resiste numa qualidade em nível crescente, mesmo com todo sucateamento que sofreu como não ser contemplado - a primeira vez em anos - com os recurso da Lei Rouanet. Se o desejo era estacionar o festival, não conseguiram. Com o lema “Cinema é Movimento”, começo elogiando o mais aparente deles: uma curadoria talentosa.


Existiu uma preocupação para que cada filme selecionado fizesse sentido tanto em apuro fílmico, representatividade e diversidade de subgêneros. As três características coordenam a função da curadoria como um ato. Um cinema trans, gay, bi, lésbico, feminino, não-binário e suas tantas belas formas dentro de uma grade diária pensada em abraçar suas variações sem deixar as peculiaridades dos dias de exibição. Ressalto a importância e presença de corpos negros enfatizados em suas produções e juntos com demais países, cearenses e nacionais compõe uma seleção com mais de 50% de pretitude.


Nessa soma, a importância de levar para as telas filmes com ancestralidades incríveis de países que dificilmente têm abertura em festivais: “Comer Mamão à Beira-Mar” (Guiana) e “Essa Terra Nobre”, (Botswana) e a presença de temáticas indígenas cresce a cada ano, representadas nesta edição como por exemplo nas obras brasileiras Uyra: A Retomada da Floresta, A Mãe de Todas as Lutas e de tantos outros países que resistem na força ameríndia! Com a Mostra Feminina, o festival no geral contemplou mais de 50% dos filmes totais dirigidos por diretoras.


Ao redor de tantos números expressivos para os festivais brasileiros, vem uma avalanche de filmes que quebram as barreiras do convencional e ousam a maneira de contar suas histórias. Rosa Neon, do diretor mineiro Tiago Tereza deve ser considerado um dos melhores curtas do ano, chega em terras cearenses com um filme ambientado no sertão de Minas Gerais (o elo geográfico do estado com a região Nordeste que necessita ser recordado) e narra a turbulenta relação de uma mulher trans e um homem cis. A capacidade de direção do Tiago Tereza é de uma maestria no exercício da linguagem fílmica.


As soluções através de recortes quase semi-documentais com a câmera na mão e o uso habilidoso do subtexto conseguem dar poesia a acuada aflição. Este resolve muitas cenas que, em mãos destalentosas, complicariam a narrativa. Envelopado de uma fotografia nas intersecções das brumas e véus, todas essas características de Rosa Neon oferecem as possibilidades para o espectador entender as dores da protagonista numa sutileza que enaltece quem assiste e a própria história em si.


Autentico a crítica para dar o veredito próprio que Rosa Neon não merecia sair do festival sem prêmio. Dentro de uma eficiente direção, bela fotografia e um qualificado texto, acredito que a crítica cearense precisa observar com mais atenção quando filmes que propõe romper a linguagem audiovisual - ou somente de algumas áreas - chegam em nossa mesa de debate, para que a reflexão ultrapasse o ato de premiar obras somente por suas sinopses. Para um prêmio da crítica, somente o tema não basta. É papel da crítica refletir e propor pensamento e não automatizar a análise só pelo argumento apresentado. Propor quebrar as barreiras da análise quando nos deparamos com obras que propõem quebrar as barreiras da realização.


O pesquisador Marcelo Ikeda (Doutor em Comunicação e Professor de Cinema e Audiovisual da UFC) no artigo “Festivais de Cinema: Uma abordagem contemporânea” publicado em julho de 2022 nos recorda: Foram os festivais que, a partir do cinema moderno, revelaram as novas tendências estéticas do cinema mundial, formando cânones e revelando autores como Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Akira Kurosawa, Ingmar Bergman; bem como movimentos ou “escolas”, como a nouvelle vaguefrancesa (Jean-Luc Godard, Eric 185Rohmer, Jacques Rivette), o novo cinema alemão (Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog, Wim Wenders); ou ainda, autores de países considerados periféricos, como Glauber Rocha (Brasil), Satyajit Ray (Índia); e “novas ondas” mais contemporâneas, como a chinesa (Chen Kaige, Zhang Yimou), a iraniana (Abbas Kiarostami, JafarPanahi) ou romena (Cristian Mungiu, Cristi Puiu).


É essencial olharmos além dos temas para afirmarmos com os devidos laurels e condecorações que um festival de cultura da diversidade sexual e de gênero presenteia o cinema com inovação e modernos sentidos dentro da linguagem cinematográfica tal qual os outros grandes festivais. Quem sabe seja sintomático de uma sociedade que mal permite que as pautas LGBTQIAPN+ sejam discutidas e quando acontece não admitem que a comunidade avance em reflexões mais profundas, ousadas e inovadoras. É preciso avançar além do primário e o festival colabora a cada ano para que isso aconteça. Como crítica, precisamos colaborar nessa seara.


No exercício da linguagem, destaco também a audácia de “Promessa de Um Amor Selvagem”, de Davi Mello, que utiliza um valente ponto de virada para mostrar outro filme onde o protagonista do primeiro torna-se quase uma antonomásia da segunda. “Cabiluda”, de Acolleto e Dera Santo, numa releitura inteligente de um mito bastante popular em várias regiões do Brasil. “Quando Chegar a Noite, Pise Devagar”, de Gabriela Alcântara, que desvela horrores maiores do mundo secundário (a ficção) justamente por serem os mais táteis e perigosos na esfera do mundo primário (realidade). E não podia esquecer o longa vencedor do Prêmio Júri da Crítica, Uyra: a Retomada da Floresta, onde grifo a proposta feita por este que vos escreve para representar a justificativa do júri da crítica:


Diante dos ecos da ancestralidade, o filme dialoga com as intervenções artísticas e iniciativas de conscientização da protagonista, interagindo de maneira harmoniosa com recursos de linguagens e formas, raiando o corpo indígena, negro, não-binarie e periférico como manifestação de transformação de si, da sociedade e todo ecossistema.


No mesmo momento, as narrativas convencionais conseguiram deixar suas assinaturas singulares, contando atrativas histórias que foram aclamadas pelos espectadores. As respostas no instante da exibição dos filmes “Pedro Faz Chover”, de Felipe César, e “A Filha do Palhaço”, de Pedro Diógenes, arrancaram risos e lágrimas do público. E calorosas palmas. Felipe César de Almeida e Pedro Diógenes são diretores com domínio dos mecanismos que fluem uma boa história, diálogos dinâmicos e contemplativos que aproximam o cinema do povo e seus recortes locais.


Pela importância das saudações para produções selecionadas que também observei um antônimo: Entendo que nem todos podem permanecer para assistir todos os filmes da noite, porém o que aconteceu foi a retirada do público trazido por algumas produções de curtas cearenses logo após a exibição de seus filmes (estes que se encontravam no meio da grade diária).


Já que as produções se movimentam para trazer seu público, as mesmas poderiam evitar o flerte com a deselegância se pelo menos os representantes de tais curtas alencarinos permanecessem para prestigiar seus concorrentes. Houveram vezes que restava um único curta com metragem menor e assim a dispersão coletiva ocorreu. Vale uma reflexão dessas pessoas em respeito ao festival (que oportunizou a exibição para tais), a sua própria classe de realizadores para também honrar a hospitalidade que nós cearenses somos conhecidos.


As mobilizações em cada edição do For Rainbow atiçam engrenagens no pensamento crítico, das realizações audiovisuais, na forma de promover festivais, eventos em geral e na democratização do acesso do público, realizado gratuitamente num mecanismo cultural do estado. A cada ano se maximiza a diversidade sexual, de gênero e exercícios da linguagem que muitos festivais tradicionais no Brasil tem dificuldade de acompanhar e/ou proporcionar.


Vida Longa ao For Rainbow é Vida Longa ao Cinema em Movimento.


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