PH Santos compôs o Júri da Crítica com Sara B Jales e Renan Andrade. O júri considerou a Mostra Norte e Nordeste da seleção para premiação. Confira o filme premiado aqui
Uma das melhores coisas de participar de curadoria de festival é visitar o Brasil sem precisar comprar passagem alguma. Você foge do Norte com medo de criaturas que estão tentando te levar para o mar e corre para o Nordeste, dá uma passada em Pernambuco para dormir uma noite e descobre um homem no seu sofá, no dia seguinte o céu está ficando rosa e é conveniente voltar para casa, para o Ceará, afinal, temos um protesto para explodir, digo, fazer. Descobrir é o que há de melhor na arte, definitivamente.
‘Jiupá’ e ‘Jamary’ são curtas complementares, daqueles que poderiam ser continuação em uma série antológica de curtas. Se de um lado a criatura te abraça, no outro te amaldiçoa como se fosse algo bom. Conhecer um pouco da cultura do Brasil sob a ótica de criadores, é ter o prazer de sair do estranho, sinistro e bizarro e entender como aquilo é parte de um país que é seu, mas você não conhecia ainda. O medo, principalmente em ‘Jiupá’, vem de entender uma lenda, sua forma e suas regras. A base do bom terror: adentrar no desconhecido. ‘Jamary’, por sua vez, arrepia quando traz o real para a tela, como quem diz: “quem disse que isso é ficção?”.
O ‘body horror’, ou horror corporal, aqui representado por ‘Macho Carne’, atinge o centro desse tipo de cinema. Se você conseguir olhar sem tentar revirar os olhos ou até mesmo revirar, tem alguma coisa errada. ‘Macho Carne’ incomoda e nos coloca a refletir sobre nossa própria pele e como ela é usada por nós e pelos outros sem que paremos para pensar nas consequências e, por isso, não viramos o rosto. Quando foi, já foi, não tem mais volta. A vida é sadomasoquista? Talvez.
O corpo é revisitado ainda na curadoria do festival com o criativo ‘Ar’. Com tão pouco se faz tanto. Por mais que haja talvez um erro de figurino ao associar um uniforme que seria de um agente de saúde ao que pode ser a pandemia, ou o medo da pandemia, a intensidade de seu protagonista marca muito. Infelizmente ou felizmente, voltei a me sentir sufocado e perseguido dentro da minha própria privacidade. Vibrei com as consequências como se fosse uma catarse que não pude ser o protagonista. A falta de ar é imprescindível para receber esse curta com todo seu tamanho.
A animação sempre tem sua vez e, me surpreende que aparece aqui só como se fosse uma composição. Mandaram poucas animações? As que mandaram não foram tão interessantes? Esse estilo é tão importante para o terror, coloca criatividade sob criatividade sob criatividade, um prato cheio para conseguir ir para todos os lados. ‘Terra Santa, Terra Maldita’, caso tivesse uma categoria de trilha sonora, não só deveria ser indicado, como ganhar. É a melhor de todo o festival. A animação, porém, carece de ir além de contar a história. Facilmente a ausência de vermelho é notada, o que pode conotar estilo, mas pensando no contexto do Sinistro, pareceu um tranquilizante no bizarro. Que bom que a trilha sonora chama de volta, e de volta, e mais uma vez.
‘Sideral’ já é o segundo festival que o vejo; hors concours, maravilhoso. ‘Pop Ritual’ também; um primor que deve ser revisitado sempre. E nesse caminho eu penso que vou esbarrar sempre com ‘Os Últimos Românticos do Mundo’, nem que seja em memória, um dos curtas que mais persegue minha mente, dono de excelente escolha de trilha sonora, ressignificação do vaporwave, que foi abraçado por entidades medonhas da nossa sociedade, e dono de tema que, se não for único, é aqui trazido de maneira bem diferente. Jamais escolheria um queridinho em um festival, não convém, não faria isso ao escolher ‘Os últimos românticos...” como aquele que eu gostaria de ter feito, digo, assistido.
Sobre a seleção do festival, alguns adendos. Estou para decidir se separar Norte e Nordeste do resto do Brasil é para jogar luz ou para vender a ideia de separação mesmo. Eu tomaria cuidado com esse tipo de organização e o que ela comunica em semiótica. Muitos curtas que aqui estão, mereciam ir além de uma caixinha regional. A dica é criar sub mostras com outros fatores delimitadores para dar a vazão que quiseram dar, mas segmentar por região comunica mal. Ainda nisso, o Norte é mais do que foi mostrado. Entendo que precisam enviar para que a curadoria trabalhe. Isto posto, penso também que a curadoria, ao se propor segmentar por região, também tem o peso de fazer pelo menos as regiões segmentadas serem contempladas e, por isso, irem também atrás. Fica... estranho. Sinistro. No mais, tudo perfeito.
PH Santos é formado em História e Computação, crítico de cinema no Canal do PH e no Cinema com Rapadura. Foi colunista do globo.com, criou o portal IRADEX.net, co-criou os podcasts RapaduraCast, Pilotando, Sete Reinos e LOSTies. Formado em História e Computação. Possui Pós-Graduação em Marketing.
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