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  • Ailton Monteiro

Elle (2016), de Paul Verhoeven


O anúncio de que Paul Verhoeven voltaria à direção de longas-metragens tendo uma atriz gigante como Isabelle Huppert como protagonista foi recebido com muita festa. E por isso "Elle" já chega bem-vindo e querido, por mais que no final, se formos fazer alguma comparação com outras obras do "holandês maluco", o filme até possa parecer um pouco mais comportado. Inclusive, na comparação com algumas obras da fase hollywoodiana dele.

Sabe-se lá o porquê de Verhoeven ter funcionado na indústria americana, de ter conseguido fazer coisas inacreditáveis e até mesmo inaceitáveis dentro daquele sistema mais restritivo, e levando em consideração o tipo de cinema que ele fazia na Holanda até o começo dos anos 1980. Talvez tenha a ver com o fato de aquele período, nos Estados Unidos, ter sido uma década com uma atração maior pela violência e um interesse mais acentuado por filmes com apelo erótico.

Claro que não dá para diminuir a obra de Verhoeven em apenas sexo e violência. É muito mais complexa e interessante que isso. Por isso é até hoje cultuada e estudada. Mas foram justamente as obsessões do cineasta pelo sexo e pela violência que mais chamaram a atenção em "Elle", filme que além de tudo ainda trata de um tema tão delicado como um estupro, mostrando a pessoa violentada reagindo de maneira completamente estranha ao que se esperaria. Ela não se sente traumatizada depois do ato. Ou talvez até sinta, mas reage de maneira diferente do que se esperaria.

Mesmo com certa frieza e racionalismos que combinam com o jeito francês de tratar a vida, o comportamento de Michèle Leblanc, a personagem de Huppert, é bastante estranho. Aos poucos, quando vamos descobrindo mais sobre seu passado, sobre o fato de ela ter estado presente durante um ato de genocídio perpetrado por seu pai quando ela tinha dez anos de idade, faz com que aceitemos um pouco seu jeito peculiar de ser. Assim sendo, ela até fica parecendo com outra cria de Verhoeven, Catherine Tramell, a femme fatale vivida por Sharon Stone no antológico "Instinto Selvagem" (1992).

Assim como o espetacular thriller erótico dos anos 1990, "Elle" também tem uma personagem feminina forte, um tanto estranha e que não se importa em como deveria se comportar na sociedade. Assim, ela mantém relações sexuais com o marido da melhor amiga e com a própria melhor amiga também. Assim como tem um desejo forte pelo vizinho, gosta de espioná-lo da janela de sua casa, enquanto se masturba, por exemplo.

E como Huppert sabe emprestar sua beleza, sua sensualidade e sua vontade de abraçar personagens complexas, tudo acaba funcionando muito bem em "Elle", um filme que dribla as nossas expectativas, que brinca com as possibilidades de um filme de suspense, que surpreende e provoca a cada cena. E apresenta tudo isso de maneira muito leve, provocando risadas na plateia com seu humor negro.

Quanto à questão do estupro, vale lembrar que Verhoeven já mostrou cenas muito mais brutais em outros filmes seus, como "Conquista Sangrenta" (1985), em que um grupo de bárbaros sádicos violenta uma jovem; ou em "O Homem Sem Sombra" (2000), que mostra o estupro causado por um homem invisível. O que provoca estranheza em "Elle" é o fato de a protagonista agir de maneira inusitada com relação ao violentador. E como os tempos são outros, há um patrulhamento muito mais acirrado por feministas a cada vez que esse tipo de assunto vem à tona. Ainda assim, Verhoeven tem conseguido se sair muito bem. Seu cinema provocador e muitas vezes incompreendido está acima das controvérsias, por mais que se alimente delas também.

Publicado pelo autor no blog Diário de um Cinéfilo.

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